O que é cisgeneridade e heteronormatividade?
Já paraste para pensar como a linguagem é uma ferramenta de manutenção de poder?
Lemos essa frase – e ficamos a pensar sobre, por isso grifamos – na apresentação do livro Transfeminismos, escrito pela professora Letícia Nascimento, que, não por acaso, vai ministrar o nosso próximo curso “Cisgeneridade e Transexualidade”. O livro foi publicado no Brasil pela editora Jandaíra e faz parte de uma coleção chamada Feminismos Plurais. Quem organiza essa coleção é justamente quem escreveu a frase que abre esse texto, a filósofa Djamila Ribeiro. Ela conta que a coleção surgiu da necessidade de assumir um compromisso com temas importantes para os feminismos, trazendo textos em uma linguagem didática, acessível e escritos por pessoas que vivem esses temas no quotidiano. Outra ideia, também, era colocar as pessoas que leem a pensarem sobre tópicos importantes que, muitas vezes, são obliterados, como é o caso do transfeminismo.
Justamente pensando sobre a afirmação feita por Djamila Ribeiro, de que a linguagem pode ser usada para a manutenção do poder, queríamos partilhar dois pontos que aprendemos lendo o livro Transfeminismos e que podem instigar-te, não apenas a fazer o curso da professora Letícia, mas também a pensar uma ampliação real do próprio feminismo. Vamos juntas?
Para entender o que é transfeminismo, primeiro temos que pensar o que é a cisgeneridade e a heteronormatividade. No livro, Leticia parte da ideia de que é preciso “dessencializar o género”, ou seja, perceber outras existências além de pares binários como “homem” ou “mulher”, por exemplo. Faz um exercício: pensa em coisas simples, banais mesmo, que carregam o adjetivo “feminino” na frente. Roupas femininas, WC feminino…ou mesmo, pensa em todas as coisas que são ditas serem “de mulher” ou “de homem”. O que isso significa?
Para pessoas trans e não binárias, por exemplo, isso significa exclusão. Sendo uma travesti acadêmica, negra, gorda, moradora do nordeste brasileiro, Leticia Nascimento sabe que as feminilidades e mulheridades – incluindo o feminismo em si –, não são homogéneas e que ela, em toda sua complexidade, é atravessada pelos seus modos de resistência a que chama de CIStema de género. O que seria esse CIS?
O cis vem do latim e significa “deste lado” e, em linhas gerais, é usado para atribuir uma pessoa cisgénera como alguém que se identifica com o género designado no nascimento. Um dos aspectos importantes no uso do termo cisgénero está em nomear pessoas que não são transgéneras a fim de não tratarmos a cisgeneridade como algo normal em contraponto à transgeneridade, assim como a outras identidades genderizadas, como pessoas não binárias, por exemplo. Ou seja, nomear o que se acha “normal” e “natural” é apontar aquilo que cria as “anormalidades” e, assim, percebermos que não existe nenhuma natureza ou essência no género.
Na mesma linha, e em diálogo, podemos pensar a heteronormatividade como a normalização da heterossexualidade – de novo, a insistência no par binário de masculino e feminino – como prerrogativa do que é correto. A heteronormatividade corresponde às normas sociais e pode estar presente desde as cores de brinquedos e roupas para crianças (rosa ou azul), até às definições do que corresponde aos comportamentos (papéis de género) de homens e mulheres na sociedade; desde de como se vestir até como se comportar em relacionamentos.
A cisgeneridade e a heteronormatividade são categorias opressoras que engessam as práticas feministas e precisam ser questionadas e pensadas em conjunto entre pessoas que se reconhecem como mulheres, pessoas trans, travestis, não binárias e outras dissidências de género. A cis heteronormatividade prevê uma sociedade em que predomina a norma de que os corpos são cis género e heterossexuais, colaborando para manutenção de violências que são nossas velhas conhecidas como machismo, sexismo e patriarcado.
A linguagem pode ser uma ferramenta de manutenção de poder, mas também nos ajuda a nomear o que não se nomeia porque acredita fazer parte de uma norma fixada. No curso da Letícia Nascimento vamos dialogar muito sobre isso e sobre outros pontos que nos levam para o transfeminismo. Que outros conceitos te fazem pensar? Conta-nos!
DICA CULTURAL: Uma Mulher Fantástica (2017). Título Original: Una mujer fantástica. Netflix